segunda-feira, abril 21, 2014

Artigo de Salvador Bonomo





LEI DA ANISTIA E A COMISSÃO DA VERDADE

chamada “Lei da Anistia” (nº 6.683|79), no seu artigo 1º, prescreve que: “É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares (vetado)§ 1º - Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política. § 2º - Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal. § 3º - Terá direito à reversão ao Serviço Público a esposa do militar demitido por Ato Institucional, que foi obrigada a pedir exoneração do respectivo cargo, para poder habilitar-se ao montepio militar, obedecidas as exigências do art. 3º”.
Extrai-se do texto legal acima transcrito que os agentes estatais (policiais e militares) foram anistiados (perdoados)pelos crimes que praticaram. Por essa razão, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ingressou, no Supremo Tribunal Federal, com uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), objetivando a anulação do perdão concedido aos citados agentes (policiais e militares), acusados da prática de sequestros, torturas e assassinatos durante o Regime Militar. Com parecer favorável da Advocacia Geral da União, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou, por maioria de votos (7x2), improcedente o referido pedido.
Parece-nos que, assim procedendo, a nossa Corte Suprema, que, por vezes, avança nos seus julgamentos, dessa feita, a nosso ver, retrocedeu. Senão, vejamos: 1) – o Brasil é signatário de Convenções Internacionais que consideram a tortura crime imprescritível; 2) – a Corte Interamericana de Direitos Humanos tem consolidado o entendimento de que os crimes de lesa humanidade (entreos quais a tortura) não podem ser anistiados por legislação interna, em especial por leis que surgiram após o fim de ditaduras militares”,  natureza da nossa Lei de Anistia; 3) - recentemente, os Governos da Argentina, do Chile e do Uruguai observaram, rigorosamente, as citadas regras internacionais, para punirem todos aqueles que perpetraram crimes daquela natureza; 4) – naquela oportunidade, mais de uma centena de juristas pátrios, através de Manifesto, sustentaram que era “consenso na doutrina e da jurisprudência internacionais que os atos cometidos pelos agentes do governo durante as ditaduras latino-americanas foram crimes contra a humanidade”. Em sendo assim, parece-nos não restar dúvida de que o Governo brasileiro, no caso em tela, atravessou, desafinou, destoou de boa parte do Continente, na medida em que o STF, validando a Lei da Anistiaequiparou torturados atorturadores. A propósito, atribui-se a Rui Barbosa a seguinte sentença: “Na casa da Justiça, por vezes, mora é a injustiça mesma.”  
Anistia Internacional, o Tribunal Penal Internacional e a Organização das Nações Unidas (ONU)Não concordadocom a citada decisão do Supremo Tribunal Federal, passaram a pressionar o Brasil para que investigue e, finalmente, puna, exemplarmente, todos aqueles que, durante o Regime Militar, ocultaram cadáveres, torturaram, sequestraram e assassinaram muitas pessoas, dentro e fora do País. A par disso, o  Ministério Público Federal, com fulcro na configuração da imprescritibilidade e no crime continuado, decidiram iniciar investigações (e a primeira ação já foi proposta, no Pará, no “caso Curió”) e propositura das consequentes ações contra os autores de tais crimes. Baseia-se, também, o MPF, numa decisão recente do próprio STF, que, tendo reconhecido serimprescritível o crime de tortura, autorizou a extradição de dois torturadores argentinos, escondidos no Brasil.
Pelo andar da carruagementendemos que, inevitavelmente, esta matéria será objeto dedesdobramentos de natureza judicial, ou legislativa, e administrativa, sendo que esta já se iniciou com a criação e a instalação da Comissão Nacional da Verdade, objeto da Lei nº  12.528|12, cujo escopo é descrito no seu artigo 1º, vazado nos seguintes termos: “É criada, no âmbito da Casa Civil da Presidência da República, a Comissão Nacional da Verdade, com a finalidade de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período fixado no art. 8o do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica, e promover a reconciliação nacional”.

Salvador Bonomo.
Ex-Deputado Estadual e Promotor de Justiça, aposentado.

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