CARO CAETANO VELOSO,


hoje recebi de um amigo o seu texto chamado “Bonito”. Tá bonito, teu texto, é fato. Não sei se era isso que você queria. Confesso que já faz algum tempo que não entendo muito bem onde você se posiciona (em cima do muro? ou não?) e depois de certas declarações desisti de entender. Começo a achar que você, como tantas pessoas que foram às ruas nos últimos dias, não defende nenhum tipo de projeto para a sociedade brasileira.
A diferença é que essa multidão bonita apenas deu o “start” em sua formação política. Você não, Caetano. Você deveria saber. A experiência de estar nas ruas (você sabe, e eu sei), ver a política com os próprios olhos, é transformadora. 
Por isso eu esperava mais de você. De vocês - intelectuais, artistas, políticos que sempre defenderam um projeto mais justo e igualitário para a sociedade brasileira. Que me ensinaram em versos de canções, discos incríveis, comícios e passeatas, o poder que tem a defesa pública e clara de um posicionamento político. Você devia saber, Caetano.
Não gostaria que me poupasse de suas críticas, veja bem. Não é isso. Gostaria, a bem da verdade, que suas críticas não viessem de textos lidos, imagens na internet, notícias de jornais que sempre reforçaram projetos nos quais você (pelo menos quando jovem) não parecia acreditar. Gostaria, Caetano, que você fosse às ruas. Não mais como um igual, um na multidão, porém, que você já não é.
Você, Caetano, e tantos de vocês que nos inspiram, sabem o poder de uma figura pública no contexto de violência policial. Ora, Caetano, se você, a Sra Luiza Erundina, o Sr Eduardo Suplicy, Gilberto Gil, Chico Buarque, entre tantas outras pessoas, estivessem na linha de frente das manifestações, se estivessem nas ruas, eu duvido que a violência policial tivesse sido tanta. Sem falar nos protestos da periferia, que estão sendo reprimidos com munição real.
Ir às ruas apoiar essa coisa que você diz achar tão bonita, seria sua maior contribuição com esse momento político. Vocês tiveram o poder de garantir maior segurança a manifestantes e não usaram. Por quê? Enquanto eu, fora da cidade, recebia os relatos de amigos encurralados na Augusta pelo choque, só conseguia pensar: onde estavam vocês?
O que eu quero dizer, Caetano, é que é muito fácil, do conforto da distância, e após duas semanas inteiras de protesto se omitindo, chamar uma intuição, uma experiência, de paranoia. A história, você deve saber, ganha sentido conforme acontece. Reinterpretamos. Em tempos como esses, tudo tão incerto, todos tão confusos e tantos interesses em jogo, é preciso estar atento e forte. Não foi você quem disse isso?
Eu só espero, Caetano, que em vez de falar de longe, você perceba que é melhor ficar por perto. Se informe nas ruas. Construa sua própria experiência desse momento político que, embora tenha pontos em comum com o passado, é outro. Nem você, nem eu, jamais vivemos o que está por vir.
Vem pra rua, Caetano.
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