Em tempos que os partidos comunistas e revolucionários, passam
por intensa luta de idéias para se firmar como condutores do processo de
transformação da sociedade capitalista para o socialismo, ao mesmo enfrentam em
muitos países, inclusive o nosso, a luta de idéias internamente, para não se
deixarem contaminar pela “praga” do reformismo e do revisionismo. O artigo de
Carlos Pompe sobre Karel Kocik, que publico
no meu blog do Luiz Aparecido é esclarecedor. Grande escritor e revolucionário, Karel passou a ser perseguido por suas idéias
e suas ações, após a chegada de Kruschov/Brejnev e etcaterva ao poder. Significa
também que não podemos abandonar a luta de idéias mesmo sendo minoria e
perseguidos por burocratas que por acaso
venham se assenhorar do poder dentro dos partidos revolucionários. Leiam o
artigo, merece atenção e reflexão.
Karel Kosic em 1979
Há dez anos, em 21 de fevereiro, faleceu Karel Kosik (nasceu
em Praga em 26 de junho de 1926). Foi um filósofo militante e revolucionário. Ingressou
no Partido Comunista da Checoslováquia durante a luta contra o nazismo. Depois
que o Exército Vermelho da União Soviética liberou a Checoslováquia dos nazi,
Kosik viajou para Moscou e Leningrado, onde estudou de 1947 a 49. Em 1956,
publicou um estudo sobre Hegel e dois anos depois um ensaio sobre A democracia
radical checa. Em 1961, Kosik publicou seu livro mais importante, Dialética do
Concreto.
Na época, participava do Instituto de Filosofia e da
Academia Checoslovaca de Ciências, duas instituições oficiais de seu país.
Participou de diversos debates sobre o marxismo na França, Itália e México.
Dialética do Concreto é traduzida para o italiano (1965), espanhol e alemão
(1967), português (1976), dentre outras línguas. Em 1966, quando o Eduard Goldstücker,
presidente da União de Escritores checos, visitou o Brasil, afirmou que a
Dialética do Concreto era a principal obra filosófica publicada naquela década
no seu país.
Em 1968, quando a luta de classes se intensifica na
Checoslováquia, Kosik publicou na França o ensaio “O indivíduo e a história”. O
governo checo cerceia a liberdade de expressão e organização, ao passo que
agentes do serviço secreto norte-americano (CIA) atuam para desestabilizá-lo,
nos marcos da Guerra Fria. Kosic participa da chamada Primavera de Praga e não
saiu imune da invasão dos tanques soviéticos no país, que estabeleceram uma
nova ordem em seu território. Perdeu todos os seus cargos na docência. Segundo o filósofo Adolfo Sánchez Vázquez,
“Kosik pagou duramente sua contribuição a essa experiência, não só com as
medidas de perseguição ditadas contra ele, como, sobretudo, com o silêncio e o
isolamento forçados impostos à sua pena e sua palavra, ou seja, seu labor
teórico marxista como trabalhador docente e como pesquisador”.
A impossibilidade de trabalhar regular e publicamente não o
impediram de continuar elaborando e escrevendo na vida privada. Em 25 de abril
de 1975, a polícia checa invadiu sua residência e por seis horas revolveu seus
papéis, sequestrando mais de 1.000 páginas inéditas de seus manuscritos
filosóficos. Ali estavam rascunhos das obras que dariam continuidade à
Dialética do Concreto: uma denominada Da Prática e outra Da Verdade. Depois
desse episódio, através do silencio sistemático e do ostracismo, foi calado definitivamente.
Opositores ao regime pró-soviético então imperante chegaram a pichar paredes
com os dizeres: “Lenin, desperta! Eles enlouqueceram!”.
Depois do fim das experiências socialistas na Europa, seus
escritos voltaram a ser divulgados.
Diferentemente dos renegados do socialismo, ele continuou fiel às suas
concepções. No artigo “A lumpemburguesia, a democracia e a verdade espiritual”
(1990), Kosik caracteriza o novo setor dominante nos países do Leste Europeu
como una “lumpemburguesia que recruta seus membros entre os novos ricos, porém,
diferentemente da burguesia normal, não hesitam ante o logro ou a associação
com as organizações mafiosas”. Volta a reafirmar sua condenação à invasão
soviética de 1968, opõe-se à restauração do capitalismo na Checoslováquia e
registra: “O velho regime (anterior a 1989) usurpou o qualificativo de
‘socialista’, refugiando-se atrás da classe operária. Na realidade,
desacreditou e desqualificou aos dois: ao socialismo e à classe operária”.
Adiante, agrega: “A ideologia oficial (posterior a 1989) condena o ‘socialismo
real’ e a ditadura burocrática e policialesca a ela associada, pondo-os na
mesma bolsa etiquetada de ‘comunismo’. Isto lhe permite ocultar a natureza de
uma alternativa, pois em sua opinião, Marx está definitivamente morto”.
Sua visão filosófica era política, militante e ativista.
Nela, não há possibilidade de resolver os problemas da destruição do meio
ambiente, da discriminação de gênero, racial ou qualquer outra dominação
cotidiana, se não se luta ao mesmo tempo contra a totalidade do modo de
produção capitalista. Sem esta luta pela emancipação radical contra o
capitalismo, os movimentos feministas, ecologistas, indígenas, de juventude
etc. serão neutralizados e incorporados pelo sistema.
Afirma
o professor da Universidade Popular Mães da Praça de Maio (Argentina), Néstor
Kohan, no ensaio “A filosofia militante de Karel Kosik (1926-2003)”, no qual se
baseou este artigo, “Em tempos como os nossos, de guerra imperialista,
massacres planificados, cinismo, discurso dúbio e triple moral (a direita e
esquerda...), o exemplo e a coerência de vida de Karel Kosik são uma centelha.
Dessas que servem, como disse há muito tempo um senhor que tinha problemas de
calvície, para incendiar a pradaria”.
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