terça-feira, novembro 20, 2012

ONDA DE VIOLÊNCIA ORIGINARIA EM SÃO PAULO SE ESPALHA POR OUTROS ESTADOS!!


Chame o Bandido


JAIME SAUTCHUK*

A onda de ações criminosas -- matança de policiais, de cidadãos comuns e queima de ônibus – demonstra em primeiro lugar que o crime organizado está muito mais organizado do que se imagina, em todo o país. O revide de policiais, matando bandidos, apenas revela fragilidade e sequer trisca no comando da bandidagem.

Fica mais que evidente, em primeiro lugar, que os criminosos estão mais avançados que a polícia em tecnologia. Basta ver as armas que usam e, principalmente, o emprego das telecomunicações. Afinal, falam com quem bem quiserem onde quer que estejam, a partir de bases localizadas até dentro de presídios de segurança máxima.

Do lado de fora, estão interlocutores de todas as graduações. Há desde parceiros de comando em suas organizações até o Zé-mané, em geral drogado que mata para pagar dívidas e que, caso morra, não lhes fará a mínima diferença. E pior: a teia não está apenas nas capitais, pois se emaranha país afora, em cidades de todo porte.

Esse não é um problema de hoje, já é histórico. A diferença está no tipo de ações. E a polícia, por seu lado, demonstra fragilidade mais que conhecida. Começa pela existência de várias polícias – Civil,  Militar e Federal -- que não se comunicam entre elas, a ponto de a toda hora baterem cabeças em campo, em tarefas idênticas.

Pela Constituição de 88, nos estados, as funções de cada uma deveriam ficar bem definidas em leis específicas, que nunca foram criadas. A investigação e a inteligência em geral deveriam ficar com a Civil. À Militar caberia a atividade prática de contato com as comunidades, detenções e garantia da ordem pública.

A Federal tem atribuições mais bem definidas, como conter o crime de dimensão nacional, controlar as fronteiras internacionais e por aí vai. Mas, mesmo assim, volta e meia também se depara com a sobreposição de atividades.

As polícias militares de todos os estados têm seu próprio serviço de inteligência, que faz de tudo, inclusive investigação, o que vai muito além de vigiar a própria corporação e seus membros.

Aliás, o controle interno não impede que, muitas vezes, o policial de qualquer agremiação aja de modo a ser confundido com bandidos, desvio que, pelas estatísticas, tem diminuído ano a ano, mas ainda é marcante. O mesmo ocorre com o abuso de poder, que vai desde o carteiraço até o tiro letal e silencioso.

A chance desses deslizes ocorrerem decresce de modo acentuado quando há movimentos organizados de integração com o cidadão, como ocorre nas Unidades Pacificadoras, no Rio de Janeiro. Por mais abrangente que sejam, porém, ainda são experiências isoladas.

A integração das polícias esbarra em problemas de toda ordem, inclusive salarial. Só a Federal tem um plano de carreira definido e unificado nacionalmente. Com as outras, esse aspecto é confuso e tem visíveis discrepâncias de estado para estado.

A Civil ganha mais que a Militar em todos os estados e no Distrito Federal. A única explicação apresentada por quem de direito é a diferença de nível de escolaridade exigido. Mas, a rigor, os trabalhos são os mesmos, só que um ganha três vezes mais que o outro, em vários estados.

Sem falar que na própria Civil, a dos salários melhores no plano estadual, há diferenças brutais de estado para estado. O DF e os ex-territórios federais (Amapá, Roraima, Tocantins e Rondônia) têm salários bem superiores aos demais, como herança do passado, um incentivo que virou regra.

Um policial civil do DF, por exemplo, atravessa uma rua e encontra um colega de Goiás, que ganha menos da metade que ele. Assim, não conseguem atuar conjuntamente numa vasta área de fronteira entre as duas unidades da federação, que virou “terra de ninguém”.

De qualquer modo, ambos estão em greve no momento, por plano de carreira e, claro, melhores salários. O mesmo ocorre nas polícias militares. E não há movimentos claros para assegurar parâmetros nacionais, em termos salariais.

Quando qualquer uma dessas instituições prende alguém, vai se deparar com um problema ainda maior, que é a Justiça. Pelo que se vê na imprensa e nos laudos oficiais, a maioria dos bandidos que são presos diariamente já tem mais de uma passagem pela polícia e pela justiça. E estão nas ruas por quê?

Por que algum juiz soltou. Só vai para a cadeia, mesmo, ladrão de galinha. É disso que os presídios estão cheios. É a esmagadora maioria dos 540 mil presos que temos hoje, para um sistema carcerário que, em condições minimamente decentes, abrigaria no máximo 300 mil.

Há alguns anos, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) mandou averiguar quem são os hóspedes de nossos presídios, grupos de trabalho formados em conjunto com o Ministério Público e a OAB ficaram boquiabertos. Nos presídios femininos, então, a maioria cumpre penas por delitos que mal mereceriam alguma punição alternativa, como trabalhos sociais por curto tempo.

Sem falar em casos e mais casos de gente com pena já cumprida, mas sem condições de mover a burocracia para cair fora. Num vapt-vupt, esses grupos do Supremo puseram em liberdade mais de 30 mil presos. Mas o projeto parou. Ninguém sabe, ninguém viu.

O mesmo juiz ou juíza que aplica penas severas a essa gente põe em liberdade, na maior sem-cerimônia, perigosos assaltantes de bancos, com crimes de homicídio e muito mais. Se rola uma graninha por fora ou não nem sempre é fácil de comprovar, mas os fatos são evidentes e mais do que recorrentes.

Além do mais, em muitas comunidades, inclusive pequenas cidades, junto aos grandes centros ou bem remotas, o juiz faz parte de uma espécie de conluio, que envolve as polícias, advogados, servidores públicos, religiosos e a bandidagem. Fazem ali uma espécie de armistício, um pacto de boa vizinhança, um jogo da cabra-cega em que reina plena paz (!).

Mas, ali, acontece de tudo. A Amazônia é só um exemplo. Tem grilagem de terras, trabalho escravo, extração ilegal de pedras preciosas e ouro, tráfico de drogas e recursos genéticos, desvio de dinheiro público, comércio de seres humanos e o que mais vier à imaginação.

Se o cidadão de bem precisar de ajuda, que fale com qualquer um desses donos do poder. Ou fique bem quietinho.

 *Jaime è jornalista, coordenador do Cebrapaz no Distrito Federal, ambientalista e curioso do Mundo







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