sexta-feira, novembro 23, 2012

Artigo de Carlos Pompe relaciona "julgamento do mensalão" com Luiz Fernando Verissimo, Shakespeare e Julio Cesar!!


Verissimo, Shakespeare e o STF
Marlon Brando interpreta o discurso de Marco Antonio diante do cadáver de Julio Cesar!!!  Uma das mais belas cenas do  cinema!


A inovação jurídica do “domínio funcional do fato” usada à revelia de provas factuais no mais badalado processo jurídico em curso no Superior Tribunal Federal (STF) vem causando espanto a quantos acompanham a vida nacional desejando democratização crescente. Luis Fernando Verissimo recorreu a Shakespeare para tentar entender o que se passa no excelso tribunal.
No início de novembro, quando perguntado se sentia desencanto com a política, inclusive com os escândalos atribuídos ao governo Lula, Verissimo respondeu: “Acho que há muito o que criticar no governo Lula, mas a oposição ao PT no poder tem sido tão preconceituosa e desonesta que é preciso cuidar para não ser cúmplice da reação. Quanto às condenações pelo escândalo do mensalão, acho que só se pode dizer dos juízes do Supremo o que disse o Marco Antonio sobre os assassinos de Cesar, na peça do Shakespeare, sem sua ironia: que são todos homens honrados. Acreditar que foram condicionados pelo clima político ou pela imprensa é desacreditar em tudo o mais e cair num vácuo moral. Prefiro a condenação do PT ao vácuo. Mas não deixa de ser estranha a indiferença às origens da prática do mensalão, para favorecer o PSDB em Minas e na compra de votos para reeleger o Fernando Henrique”.
A referência do grande escritor brasileiro ao grande escritor inglês foi mais do que adequada – inclusive sua ressalva sobre a ironia do bardo (estaria sendo irônico?). Na peça Júlio César, um grupo de conspiradores convence Bruto de que César está para tornar-se ditador e que matá-lo é a única forma de impedir esse intento que lhe é atribuído. São apresentados muitos argumentos, mas nenhum fato concreto. Num solilóquio, Bruto chega a admitir que não há provas de que César, renegando toda a sua história, “tornar-se-á um tirano irracional e opressor”, como escreveu Harold Bloom (Shakespeare: a invenção do humano). Eis um trecho da fala de Bruto:
“Para ser franco com relação a César, nunca soube que as paixões ou a razão nele tivessem qualquer preponderância. Mas é coisa sabida em demasia que a humildade para a ambição nascente é boa escada. Quem ascende por ela, olha-a de frente; mas, uma vez chegado bem no cimo, volta-lhe o dorso, e as nuvens, só, contempla, desprezando os degraus por que subira. César assim fará. Antes que o faça, será bom prevenir. E, como a luta não poderá alegar o que ele é agora, argumentemos que se a sua essência vier a ser aumentada, é bem possível que incorra em tais e tais extremidades. Consideremo-lo ovo de serpente que, chocado, por sua natureza, se tornará nocivo. Assim, matemo-lo, enquanto está na casca.”
Como destaca Bloom, “‘argumentemos’ quer dizer inventar uma ficção e, em seguida, considerá-la viável”. E assim, a partir do que hoje poderia ser chamado de “teoria do domínio do fato”, Bruto e seus sequazes julgaram e apunhalam César, não pelo que fez, mas por ser “possível que incorra em tais e tais extremidades”...
Realmente, Verissimo, que no momento em que escrevo se encontra hospitalizado em estado grave, foi feliz (mais uma vez), ao lembrar, com ou sem ironia, os juízes e assassinos de César ao referir-se aos julgadores da ação penal 470 (mensalão).  Assim encerra o pronunciamento de Marco Antônio aludido por Verissimo: “Bons amigos, queridos amigos, não quero estimular a revolta de vocês. Aqueles que praticaram este ato são honrados. Quais queixas e interesses particulares os levaram a fazer o que fizeram, não sei. Mas são sábios e honrados e tenho certeza que apresentarão a vocês as suas razões. Eu não vim para roubar seus corações. Eu não sou um bom orador como Bruto. Sou um homem simples e direto, que amo os meus amigos”.
Desejemos que o novo presidente do STF não volte o dorso para a sua humildade de origem e que não contemple apenas as nuvens, desprezando os degraus que subira. Que não caiamos num vácuo moral, amém.
A íntegra da fala de Marco Antônio sobre a morte de César na peça de Shakespeare, considerado por Umberto Eco, com as catilinárias de Cícero, um dos discursos mais marcantes da história, pode ser lida aqui:
Se preferir o prazer de ler a íntegra de Júlio César, a peça está em domínio público, cedida pelo tradutor Nélson Jahr Garcia, em arquivo .PDF, aqui:


Sinopse do filme roteirizado e dirigido pelo grande cineasta Joseph L. Mankiewicz
Em Roma, (exatamente nos idos de março de 44 A.C., como tinha sido previsto) César (Louis Calhern) é assassinado, pois os senadores alegam que sua ambição o transformaria em um tirano. Mas Marco Antonio (Marlon Brando) consegue, em um inflamado discurso, reverter a situação e os conspiradores são obrigados a fugir. A partir de então dois exércitos são formados, um comandado por Marco Antonio e Otávio (Douglass Watson) e o outro por Cássio (John Gielgud) e Brutus (James Mason), sendo que este segundo exército é numericamente inferior, mas os conspiradores preferem cometer suicídio a serem capturados.

Nenhum comentário: