A Pura
Verdade
JAIME SAUTCHUK*
A instalação da Comissão da Verdade, pela presidente Dilma
Rousseff, significou um importante passo para passar o Brasil a limpo e
consolidar de vez a democracia. Para isso, entretanto, é preciso que todos os
setores da vida nacional estejam com o mesmo desejo de se chegar à verdade nua
e crua, longe das meias-verdades, dos mistérios.
O Brasil demorou para encarar de frente os crimes cometidos pela
ditadura militar que vigorou de 1964 a 1985. E ainda assim, tendo que engolir
um período mais dilatado a ser investigado, que ficou de 1946 a 1988, como forma
de fingir que o período da ditadura militar instalada com o golpe de 64 não
tenha sido de flagrante exceção.
Em outros países da América Latina e de outros continentes que
viveram experiências idênticas de usurpação do poder por minorias, no mesmo período
histórico, a revisão de ações criminosas já vem ocorrendo há mais tempo ou até
já foram concluídas. Mas, antes tarde do que nunca.
Todavia, para chegarmos a resultados que possam entrar para a
história, com altivez e dignidade, é preciso que estejam abertos os corações e,
é claro, os arquivos. Ninguém, num processo como esse, pode ser arvorar a ter
mais direito que os demais cidadãos.
Digo isto por causa de reações à criação da Comissão, que o País
inteiro viu e ouviu, de setores da sociedade, especialmente de membros das
forças armadas. Fica parecendo que a farda privilegia uma parte da nação,
quando o correto é a Marinha, Exército e Aeronáutica terem seus deveres a mais,
previstos na Constituição Federal, mas não direitos ou poderes a mais.
Uma das reações foi a de que a Comissão deveria investigar
"os dois lados", como se a violação dos direitos humanos tivesse sido
perpetrada também pela sociedade civil. Esta apenas reagiu da forma que pôde a
um regime instituído de forma brutal e, o que é ainda pior, sob a orientação
imperialista dos Estados Unidos. Ou seja, o estado agiu de forma unilateral e
repressiva. Este é o lado.
Da parte da resistência também houve uso de armas e mortes até de
civis, isso ninguém ignora. Mas os autores dessas ações já foram mais do que
punidos, pois passaram anos em prisões ou foram sumariamente assassinados, sem
julgamento, nem dó, nem piedade.
Outra reação equivocada é a de que "esta é uma página
virada" em nossa História. Mas, como virar uma página que contém lacunas a
serem preenchidas? A reconciliação nacional para valer só estará completa
quando essas pendências forem esclarecidas. Há pais cujos filhos sumiram. Há
filhos cujos pais supostamente foram mortos, mas seus túmulos continuam
destampados.
E aí entra outra questão que foi levantada já na primeira reunião
da Comissão: o sumiço de documentos. É claro que ninguém acredita que
documentos sobre ações da repressão tenham desaparecido dos arquivos das
organizações responsáveis. Além do mais, a própria destruição de documento
oficial é crime. Reconhecer queima de arquivos seria, por si só, reconhecer a
existência de algo errado, algo a esconder da sociedade.
Isso tudo significa dizer que a Comissão de sete membros criada
pela presidente Dilma terá dois anos de muito trabalho. Sua função é apenas
investigar, as eventuais punições ficarão a cargo da Justiça. Mas o importante
agora é que a sociedade brasileira conheça a mais pura verdade.
*-Jaime Sautchuck é escritor, jornalista e presidente da CEBRAPAZ/DF
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