sexta-feira, julho 22, 2011

Câmeras e Cidadania!!






Câmeras e Cidadania


JAIME SAUTCHUK (*)

A paranoia da insegurança pública é a justificativa para uma avassaladora invasão da privacidade das pessoas no mundo inteiro, inclusive no Brasil. As câmeras espalhadas em lugares públicos vão muito além da finalidade alegada e servem para muitos outros usos, o que fere os direitos dos cidadãos.

Começa pelo começo. O regime sócio-econômico hoje predominante no mundo não convive com o pleno emprego e mantém o exército de reserva de que falava Karl Marx. Ou seja, é a massa de desempregados, que serve para regular os salários, para baixo. É a lógica capitalista.

Além disso, dentro do próprio sistema há enorme defasagem entre o avanço tecnológico, que promove a automação da produção em todos os setores, e a carga horária dos trabalhadores. Basta ver quantas pessoas são necessárias, hoje, para produzir mil automóveis. Ou para plantar, colher e carregar mil hectares de soja.

Isto, somado ao crescimento da população na maioria dos países, gera um contingente enorme de supostos desocupados, que, em boa parte, se ocupam do crime. As organizações do crime são gigantescas e contam com a proteção de polícias e do judiciário, ou seja, advogados e juízes. Mas os avulsos seguem o mesmo rumo.

O magnata vive em castelos e anda de helicóptero, meio de transporte em que São Paulo é a cidade campeã mundial. E é largamente usado no Brasil inteiro. Já o cidadão comum é forçado a amurar as casas, trancar portas e janelas, fazer mini-fortalezas para se proteger em verdadeiros presídios familiares.

A violência está sempre por perto, mesmo em cidades menores, tidas até poucos anos atrás como tranquilas. É comum vermos na mídia que a polícia pegou tal e qual com a ajuda de imagens registradas em algum lugar, mas no dia seguinte o cara está nas ruas de novo. E as câmeras continuam lá.

É certo que essas câmaras são instrumentos úteis em muitos casos, mas os limites dessa vigilância é que não são claros. A transmissão direta de sessões do legislativo e do judiciário, inclusive do Supremo Tribunal Federal, por exemplo, são de grande serventia pública, com caráter até educativo.

Mas, de todo modo, essas emissoras só transmitem as sessões públicas dessas instituições. E a gente sabe que as negociatas não ocorrem nessas ocasiões. Ocorrem no gabinete ou na fazenda do prefeito, em hotéis de luxo e outros recintos onde não há olhos eletrônicos.

Se a investigação da polícia, dos tribunais (em especial os de contas), das corregedorias de órgãos de governo, do ministério público, de qualquer fiscalizador, enfim, depender dessas imagens, pobres de nós.

A proliferação de câmeras por todo lado, portanto, não está fiscalizando o crime organizado, nem os grandes contraventores. Bisbilhotam a vida do cidadão comum, em verdade. É salvaguarda de patrimônio, não da cidadania.

Em muitos lugares, até o interior de residências é filmado, sem quem os moradores saibam. A máxima “quem não deve, não teme” não vem ao caso. Pela lei, nem a polícia pode entrar numa habitação sem autorização judicial.

Este é um aspecto da questão. Mas há muitas outras variantes. Vejamos situações corriqueiras. Numa greve de trabalhadores de algum setor, por exemplo, seus líderes são identificados no ato. E punidos por isso.

Ou, então, a pessoa que não quer mostrar suas preferências religiosas, sexuais ou políticas. Ela teria direito ao sigilo, mas não tem.

Mais grave ainda é o fato de que não há controle nenhum sobre esses bancos de dados formados aleatoriamente. Nem regras para seu armazenamento. Quem fará uso dessas imagens? Por quanto tempo podem ficar nos arquivos?

Afinal, são peças que podem ser usadas para muitas finalidades, inclusive chantagens pessoais ou mesmo políticas. Ou seja, são potenciais armas de crimes.

O Ministério da Justiça está estudando o assunto. E, no Congresso, há propostas tramitando. O certo é que o governo tem instrumentos para controlar o setor. E pode partir do que é consenso em órgãos do próprio governo e de entidades de universidades e de defesa da cidadania.

A proposta é: quem quiser gravar imagens terá que ter autorização do governo, e este deve determinar as regras e fiscalizar o uso. E, é claro, o cidadão precisa ter instrumentos para reparar eventuais danos.

Ou, então, vamos colocar câmeras em todos os lugares.

*Jornalista,escritor e colunista do Portal Vermelho

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